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12 de fev. de 2008

Escravidão, impunidade e revolta

Por Alcione dos Anjos*

Escravidão e impunidade... Este é o título do editorial do Diário de Cuiabá dessa terça-feira (12.02). E eu acrescento mais um termo ao título: revolta. Foi assim que fiquei: revoltada com esse editorial. Não pelo tema, que precisa ser debatido e combatido, mas sim pelo autor do discurso.

Afinal combater o trabalho escravo é uma ótima bandeira, um tema que sensibiliza a população e traz respaldo para a empresa (sim jornal é empresa!). Essa bandeira é tão boa que o trabalho em condições análogas a escravidão foi tema de redação do maior vestibular de Mato Grosso, o da Universidade Federal de Mato Grosso, em sua última seleção de universitários.

O mesmo Diário de Cuiabá foi fonte para a prova de redação - não vou entrar no mérito de que a autora da matéria (a jornalista Keka Werneck) nem foi citada na contextualização feita pelos organizadores da prova e nem depois, quando o jornal colheu os 'louros' por sua iniciativa de combater o trabalho escravo (citação garantida pelo Direito Autoral) – Prova de que a bandeira rendeu publicidade gratuita ao jornal.

O que é de se espantar e se revoltar é que essa mesma empresa tenha como bandeira algo que pratica. Não entenderam? Vou explicar, o Jornal Diário de Cuiabá, o mais antigo da Capital, há anos atrasa os salários dos seus funcionários. Existem registros de que essa prática ocorra há mais de uma década, ou seja, ao completar 40 anos de fundação no dia 24 de dezembro deste ano – e se nada for mudado – essa empresa terá deixado de pagar mais de um quarto desse tempo pelos serviços prestados de seus funcionários.

E os atrasos não ocorrem por falta de dinheiro, afinal a empresa não parou de crescer, pelo contrário. Quando começou o Diário de Cuiabá funcionava na Avenida XV de Novembro, no bairro Porto. Hoje o Diário está com sede nova, um moderno prédio na avenida Beira-Rio, número 4.435, que abriga a administração, o departamento comercial e a redação do jornal. A área é superior a 6000 m2 – somente a redação ocupa mais de 400 m2. E ainda há um galpão, com 2500 m2 , destinado a instalação do parque gráfico do jornal, que ainda permanece no endereço anterior. (informações do DC- Edição nº 11705 02/01/2007).

Além disso, o jornal expandiu suas dimensões e chegou ao interior: Rondonópolis, e Sinop já possuem filiais, e pasmem nas duas cidades a prática de salários atrasados é uma realidade. Com essa análise, chego a pensar que o crescimento da empresa tenha ocorrido a custas do suor dos trabalhadores, que até hoje não são prioridades da administração.

Alguns podem dizer "Ah! Mas, atraso salarial não é trabalho escravo". Ah é? Então para esses pergunto: O que é trabalhar sem receber seu salário? Por três ou quatro meses? Como se vive? Com que dinheiro paga-se o aluguel, a comida, a escola das crianças, a água, a luz, os impostos? Como se defender da fama de caloteiro? De mau pagador?

Outros podem questionar porque os profissionais não saem dessa empresa? E eu digo: As correntes do trabalho escravo hoje não são de aço ou ferro, elas são invisíveis, mas que nos amedrontam todos os dias. Elas são forjadas do desemprego, da falta de oportunidade, do sonho de se manter na profissão que você escolheu.

E a mordaça é imensa. Jornalista não tem voz ou vez na grande mídia, ou alguém já leu a situação dos profissionais da comunicação nos jornais diários que se compra nas bancas?

O autor do editorial do Diário de Cuiabá termina dizendo: "Impunidade, não a miséria, é a responsável pelo trabalho escravo". E eu concordo, a empresa só permanece com essa prática porque nunca foi punida.

*Alcione dos Anjos é jornalista e tesoureira do Sindjor.

Esse é o texto da revolta:

Escravidão e impunidade

É sempre oportuno lembrar que a Convenção nº 29, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1930, define sob o caráter de lei internacional o trabalho forçado como "todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente".

Também é conveniente assinalar que essa mesma Convenção proíbe o trabalho forçado em geral, incluindo, mas não se limitando à escravidão. E não custa destacar que trabalho escravo se configura pelo trabalho degradante, além do cerceamento da liberdade. Ao contrário de antes, hoje, em vez de correntes para prender o homem à terra, utilizam-se as ameaças físicas, o terror psicológico ou as grandes distâncias que separam a propriedade rural do centro urbano.

Infelizmente, Mato Grosso, ao longo do tempo, conquistou uma posição nada invejável nesse contexto, atraindo as atenções das autoridades mundiais. O fato de o Estado possuir grandes latifúndios e, ao mesmo tempo, não haver uma fiscalização eficiente, contribui para que esse crime se torne uma constante no cotidiano de milhares de cidadãos.

Com efeito, o Ministério Público do Trabalho fiscalizou, no mês passado, várias propriedades no norte do Estado e autuou pelo menos cinco delas, após serem encontrados trabalhadores em situação degradante, em fazendas nos municípios de Tapurah, Nova Canaã e Feliz Natal. Um relatório divulgado recentemente pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), com o ranking dos municípios brasileiros mais violentos em relação ao número de habitantes, revelou que 100 deles coincidem com áreas campeãs em casos de trabalho escravo. Em 15 dos municípios do ranking, há histórico de libertação de trabalhadores em situação degradante. Destes, cinco são de Mato Grosso: Nova Ubiratã, Nova Bandeirantes, Novo Mundo, Tapurah e Brasnorte.

Registre-se que a pesquisa da Ritla é anual e tem como base os registros de óbitos do Ministério da Saúde. O cálculo da média de homicídios considera as mortes ocorridas entre 2002 e 2004, e a população dos municípios nessa época. E um relatório da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) aponta a relação entre assassinatos, desmatamento e trabalho escravo.

A boa notícia é que o Ministério Público do Trabalho realizará, nos próximos dias, operação de combate ao trabalho degradante no norte de Mato Grosso, em resposta às denúncias de irregularidades na região de Alta Floresta. Oportuno mesmo seria se o Congresso aprovasse logo a Proposta de Emenda Constitucional (já avalizada pelo Congresso), que permite a expropriação de terras onde for devidamente comprovado o uso de mão-de-obra escrava.

A maior causa da persistência do trabalho em regime forçado, vale dizer, não é propriamente a miséria, mas a impunidade.

"Impunidade, não a miséria, é a responsável pelo trabalho escravo"

Um comentário:

Anônimo disse...

Brava Alcione! Vc chamou a atenção para algo que envergonha o jornalismo em Mato Grosso, ou pelo menos deveria ser assim.

É fácil para o jornal fazer cena para o público com cortesia de outros, ou usar o chapéu alheio, sem olhar para o seu umbigo. O jornal cospe para cima e esqueçe que o que faz volta para sua direção.

Isso é pura hipocrisia e cabe à sociedade saber sobre as dificuldades pela qual passam bravos colegas de imprensa naquela empresa.

Vamos ver se os proprietários ficam com vergonha na cara e resolvam se mexer para colocar em dia o pagamento dos colegas

Abraços
Jonas da Silva, jornalista