Caros amigos jornalistas e companheiros de luta,
Pois é pessoal, como eu já havia falado, a Bolívia é mesmo surpreendente em todos os sentidos. Mas um setor que me surpreendeu negativamente foi o de serviços, especialmente de transportes e lá, para piorar, as pessoas não possuem o hábito de reclamar para gerentes ou órgãos como o Procon. O fato é que o setor de transportes atende muito mal. A impressão que tive é que eles pensam que a gente precisa deles, mas não eles da gente.
Indo para La Paz pensei que eu iria entrar em vias de fato com o motorista da empresa Bolívar, e tudo por causa de um reles xixi. Pois é, acontece que na noite anterior eu e a Val havíamos comido um pollo frito (frango frito) meio salgado. Daí eu tomei água a valer e fiquei com vontade de ir ao banheiro no ônibus. Para a minha surpresa, o banheiro não funcionava e não havia muitas paradas na Cordilheira dos Andes, por onde trafegamos.
O ônibus era de dois pisos. Eu desci, vi que o banheiro ficava trancado e perguntei para o motorista se ele iria parar. Ele disse que iria parar em Caracollo, um lugarejo ainda distante. Eu argumentei que estava apertada para ir ao banheiro e ele não deu muita bola. Voltei para o meu lugar, mas a situação estava difícil mesmo. Daí a Val foi interceder por mim. Pedir para ele parar em um daqueles restaurantezinhos da montanha. Ela perguntou também, em bom espanhol, como pode um ônibus fazer um trajeto tão longo, com idosos, crianças, sem paradas e sem nenhum banheiro, mas o cara não estava nem aí!
Chegou uma hora que eu não agüentava mais e desci lá determinada a aprontar um bafão. Bati na porta da cabine e nada de abrir, bati mais e mais forte com os dois punhos cerrados, e nada de abrir a porta, quando eu estava para meter minha bota no vidro, o cara abriu. Eu já estava cansada de tentar arranhar o espanhol e ninguém me entendia, daí rasguei o verbo em português mesmo. O diálogo que se seguiu foi este:
- É o seguinte...preciso fazer xixi !
- No compriendo señora...
- Ah não compreende? Pois eu vou explicar. Acontece que eu não sou de ferro, eu sou humana, bebi água e agora preciso fazer xixi. Eu quero mijar! E tem que ser agora senão eu entro aí na cabine e mijo do seu lado!
Disse gritando e já bem nervosa. Daí o cara parou perto de um povoadozinho, onde não havia qualquer sinal de banheiro. Lá fui eu fazer xixi no mato de novo, ou melhor, escondida no meio das rochas um pouco a frente do ônibus, pois não havia sequer um gramado. Para minha surpresa eu não era a única que estava precisando. Várias pessoas desceram comigo, incluindo a Val. E até o motorista se ajeitou para fazer um pipizinho. Que raiva! Ele que não queria ceder, não tinha esse direito!
A Val explicou que na Bolívia o povo é assim, por mais apertado ou por mais incomodado que esteja com a situação, não se reclama de nada. Mas também reclamar para quem?
Mas o pior não foi fazer xixi nas rochas. O pior foi que meu xixi estava muito demorado (eu estava ‘precisada’) e o motorista começou a sair com o ônibus ameaçando me deixar. Ele colocou o ônibus mais prá frente revelando meu esconderijo e para falar a verdade, acho que quem quis viu minha conchita! É por isso que tive que dizer mieerrrrrrda de nuevo!
Após cerca de uma hora e quarenta minutos paramos para almoçar em um restaurante ainda na Cordilheira. Fomos ao banheiro de novo e fiquei com dó das bolivianas. Havia muita gente apertada e até com dor de barriga, mas que não falava nada! Ficava quietinha lá no ônibus. Passei na frente do auxiliar do motorista que tirou sarro de mim, falando: “quiero mijar”.
Almoçamos uma sopa com grãos de trigo, umas batatas diferentes e carne desidratada. Estava gostoso. Depois veio um macarrão com frango. Estávamos com fome e comemos muito bem.
Depois de quase bater nos motoristas, nada como uma sopinha de trigo para acalmar os ânimos.
Havia chá de coca e até fiquei curiosa para experimentar. Mas após o episódio do xixi fiquei com medo de tomar mais líquidos. A coca in natura não prejudica a saúde e não dá barato nenhum. O chazinho cheira bem, mas havia um povo mascando as folhas lá dentro e o cheiro era igualzinho de cecê. Sovaqueira mesmo!
Cochabamba
Antes de falar de La Paz não posso me esquecer de contar sobre o nosso passeio no morro do Cristo de La Concórdia em Cochabamba. Para subir é preciso tomar um teleférico. A fila é enorme e ficamos esperando três longas horas talvez. Mas valeu a pena! A vista da cidade lá de cima é esplêndida. Bem diferente da nossa paisagem. No horizonte observamos a cidade rodeada pela cordilheira dos Andes e alguns lagos.
A vista esplêndida do morro do Cristo de La Concórdia.
Cristo de La Concórdia.
Também foi muito gostoso visitar os mercados populares de Cochabamba, que têm muitas frutas frescas, roupas e sapatos baratos, além de uma infinidade de coisas boas para se comer como castanhas e frutas desidratadas de todo tipo.
La Paz
Nossa pessoal deixe-me falar de La Paz. Que cidade esplendorosa! Ela fica dentro de uma cratera (é um buracão mesmo, quase igual Cuiabá, mas é diferente, pois fica nos Andes e o clima é sempre ameno com vento gelado). Ao entrarmos em La Paz, passamos primeiro pela alta La Paz, que é a parte periférica e pobre do município. Depois de mais alguns quilômetros vimos a cadeia montanhosa com picos nevados no horizonte e a cidade dentro da cratera. Descemos a cratera e pronto, estávamos em La Paz. A profundidade é de 600 metros.
Olha La Paz aí galera. Dentro da cratera. Que buracão legal né?
Ficamos na casa de um amigo da Val: o empresário Júlio. A casa ficava em uma região nobre e bonita da cidade com casas inacreditavelmente belas pela vizinhança. Era um tipo de Alphaville de La Paz. Tiramos algumas fotos por perto e ficaram ótimas.
La Paz é muito alta, fica a mais de quatro mil metros acima do nível do mar. No cume da Cordilheira chegamos a 4.496 mil metros de altitude. Muitas pessoas passam mal, sentem taquicardia, dor de cabeça. Graças a Deus não senti nada disso, pois me aclimatei bem, mas não posso dizer o mesmo dos nossos cosméticos. Eles ficaram com um pouquinho de pressão e querendo estourar dentro da bolsa. Abri meu delineador e ele fez igualzinho uma garrafa de champanhe: ssshhh. Pronto, espirrou no meu rosto inteiro! O creme de cabelo da Val também estourou e fez o maior estrago.
Paisagem do bairro Achumani, onde nos hospedamos na casa do Júlio.
A cidade de La Paz tem belíssimas praças, cheias de flores coloridas. É muito marcante a presença de violetas africanas e amores perfeitos de diversas cores. No dia seguinte à nossa chegada, fomos ao mercado e comprei um presentinho para minhas sobrinhas e um casaco de frio para mim, que foi muito providencial.
Fizemos esta compra em um grande mercado ao ar livre, tipo uma feira em meio às lojas, na região central da cidade. Os preços da Bolívia são baratos para os brasileiros. Cada real vale de 2,50 a 2,80 bolivianos e o casaco mesmo saiu a cerca de R$ 60,00. No Brasil não sairia por menos de R$ 180,00. Lá em Cochabamba, o Hostal que ficamos saiu por apenas Bls.$ 100,00 bolivianos, ou seja cerca R$ 40,00 para mim e Val. O turismo na Bolívia é bem viável, as passagens de ônibus para trajetos mais longos custavam no máximo Bls.$ 60,00. Deve ser esta a sensação de poder de compra que os americanos e europeus sentem no Brasil, com suas moedas mais valorosas que o Real.
Após a compra nós almoçamos com o amigo da Val, o senador Jorge Aguilera do partido ADN, de oposição a Evo Morales. Vejam só...nós saímos do Brasil e o senador nos levou justamente a um restaurante brasileiro lá! Mas tudo bem, a moqueca de peixe com arroz, pirão e o torresmo de entrada, estavam excelentes.
O senador nos falou que está inviável trabalhar no governo de Morales. A bancada do presidente, do partido MAS, é maioria no Senado e fica muito difícil a oposição emplacar algo. Depois o senador foi para uma sessão plenária e o motorista dele nos deixou em uma belíssima praça, cheia de monumentos para tirarmos fotos. Entramos em uma agência de viagens ali por perto e conversamos com uma amiga da Val, com a qual tomamos um café mais à noite. O café tanto da Bolívia quanto do Peru não é tão gostoso como o do Brasil. Na verdade é um “chafé”, bem ralinho, igualzinho dos estadunidenses.
Val em meio às flores de La Paz.
Pessoal, La Paz é muuuuito frio, mas é uma delícia. Matei minha vontade de vestir casaco e bota. Estamos no verão e o clima durante o dia é em média de 14° Celsius. À noite a temperatura cai e fica ainda melhor. O Julio me disse que no inverno é que a coisa fica gelada. Ele falou que a temperatura cai para - 5°C.
A frota antiga de La Paz
Não pude deixar de reparar o quanto a frota de La Paz é defasada. Aliás, em todas as cidades da Bolívia há carros muito antigos. Há Corollas que já não se produzem mais e velhos carros ingleses, cujo painel fica do lado direito e o volante, adaptado para o trânsito de lá, fica do lado esquerdo.
Mas o problema com os carros velhos não é apenas visual, é, sobretudo ambiental. Os escapamentos baforam fumaça negra. Se permanecermos em uma rua muito movimentada sentimos mal estar respirando o monóxido de carbono e o dióxido de enxofre, entre outros gases nocivos. Sabemos, no entanto, que esse problema é social. Os países mais desenvolvidos vendem seus dejetos (carros velhos) para a Bolívia. Na outra segunda-feira conto para vocês como continua a aventura guevariana pela América Latina. Da próxima vez, porém, no Peru. Um grande beijo!
Das amigas Andrea Godoy (jornalista) e Val Carvalho (turismóloga).
Um comentário:
Puxa, que legal!!!!
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