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15 de set. de 2010

Ressocializar para humanizar


Por Jota Cesar

08:00, no escritório, calor cuiabano, 40º, verificando à agenda do dia; de repente ouço pancadas, imagino logo uma tentativa de depredação de uma escultura (sobrevivente de uma série de cinco) que tenho fixada na parte frontal do imóvel; batata! Abro a porta e dou de cara com 5 garotos entre 6 e 8 anos, amontoados, tentando com um pedaço de pau descolar a obra fixada na parede. Neste movimento cada um vai para um canto, como se fossem treinados para uma fuga quando necessário. Mas ficam ali a 15 metros da porta, distância de segurança, me encarando. Onde vocês moram, pergunto: um responde, o mais novinho, moro em São Paulo, o outro disse moro no Rio, o restante com largas gargalhadas, ali parados, donos da situação com paus e pedras nas mãos. A ação é agenciada ou simplesmente acontece?

Em que momento adquirem a confiança, no caso, que estou completamente indefeso em qualquer ação a ser cometida por eles. Estão na rua, circulam, conhecem a cidade, suas ruelas e becos, mas não são meninos de rua; tem casa, família.

Se o desejo for voltar para um ficcional estado de natureza basta ignorar a autoridade; neste momento a única lei seria a da natureza, a auto preservação. Já dizia o pensador.

Quando renunciamos a este estado, o de natureza, o que nos moveu foi o desejo de trocar afetos, viver juntos, com nossas diferenças, físicas e intelectuais. Alguns comentam que foi um movimento dos fisicamente mais fracos, que usando de sua mais aguda inteligência e astúcia subjugaram os mais fortes e os colocaram estrategicamente sob seus serviços.

Bom, mas voltemos lá nos garotos, afinal somos urbanos, e em nossa memória não existem lembranças que não sejam de nossa vida em sociedade. Pensando, antes eu me imaginava um ser humano, que movido pelas circunstâncias me tornava um humano/urbano. Mas depois que em um destes carros que transportam presos para a penitenciária li o que estava escrito na porta traseira: Ressocializar para humanizar, confesso que fiquei confuso.

A idéia é retirar de circulação o que se rebela; inserindo-o em um aterro sanitário para urbanos que se revelam humanos pré contrato.

Os garotos continuam me encarando; se fosse a gravação de uma cena, eu estaria no meio e a câmera com uma grande angular, subjetiva, faria um movimento de 360º.
Depois de alguns minutos de uma beligerância silenciosa, deram as costas e bateram em retirada. A minha subjetividade não penetra subjetividade alheia, desta forma só posso imaginar supostos movimentos que poderiam ser gerados naquelas mentes ainda fora do mundo. Fora do mundo! Será?

O fora do mundo é uma provocação; não sendo especialista em educação nem me aprofundado em autores que tratam desta conversa, mas tendo, na graduação, conversado em alguns momentos sobre a psicologia da educação, posso sim perguntar se estas crianças já não são, em algumas circunstâncias, parições deste mundo não humanizado, como alguns imaginam.

Em um mundo condominizado a idéia é isolar o outro, que seria de certa forma uma cópia ruim do eu. Daí a exclusão em alfavilas, alfavelas e infovilas. A necessidade é isolar a diferença.

A autoridade é exercida dentro destes newburgos com contratos e leis próprias, que garantem a partir de seus muros presidiais: segurança, lazer, que são traduzidos pelos seus moradores como sendo “liberdade”. Na cidade as calçadas sobram e criam limo.

Ah! Mas quem trafega com desenvoltura e conhecimento das calçadas da cidade e, têm nelas o seu trabalho de vigilantes dos bens de condominizados que ousam trafegar nestes territórios, são eles, os garotos, que de alguma forma foram alçados à condição de “autoridades”, aplicadores das regras e leis deste estado que é a rua e suas calçadas.

Freud, Freud! Odiar esta cópia e ao mesmo tempo amá-la “como a mim mesmo”.
Estão indo, mas olham de rabo de olho e depois percebo comentários e gargalhadas.
Até quando a liderança deste pequeno grupo será exercida pelo mais velho, o de oito anos. O trecho que eles passeiam é contaminado por muitos que desejam realidades mais prazerosas e são dedicados na construção deste mundo particular onde nele ficam “acordados” a maior parte do tempo e o pouco que “sonham” vivem torrenciais pesadelos.

Estes sujeitos em deslocamento, através de fumaças, criam-atividades, e alegoricamente reteritorializam aquilo que o privado se apodera: o espaço que é público.

Que urbanismo é este que causa o isolamento, o esquecimento, que desmemoria a cidade?

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