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9 de nov. de 2011

ARTIGO: Alguma coisa sobre correria e jornalismo

Keka Werneck*

Ter dois empregos é assim, dois patrões (ou mais), duas tensões. Dois prazeres também, caso seja possível realizar tarefas que alimentam a alma.

O dia começa bem cedo, às vezes junto com o sol, que ainda espreguiça, como a gente. Os olhos abrem, não querem abrir, querem se fechar em mais sonhos, para aproveitar a caminha gostosa, quentinha ou fresca, dependendo daquilo que o clima pede.

A rua já está iluminada pelos raios solares. Em se tratando de Cuiabá, o sol é bicho esperto, já acorda soprando a gente, esquentando o corpo,  que às vezes cansa, às vezes se enche de alegria de viver. Afinal, nada mais depressivo que o cinza eterno de cidades frias, sombrias, chuvosas. Cuiabá não é assim. Cuiabá é muito viva e alegre!

A manhã passa rápida, como um trem bala e a gente dentro dele, segurando nos corrimões, balançando o corpo para lá e para cá, na dança frenética da produção.

Fazer matéria hoje é assim, bem na lógica produtivista. Já foi o tempo que o repórter precisava ver e sentir, ver e ouvir, ver e até vivenciar, ver e contar, aos poucos, fazendo amizade com o leitor.

Aliás, o leitor não quer muito papo, é a lição número um da Folha de S.Paulo em seu manual de bolso e de freezer.

É isso! O jornalismo está congelado. Nem o sol de Cuiabá dá jeito.

Congelou, virou gelo. Jornalistas viraram as costas para o leitor e vice-versa. Ninguém quer papo. Só me diz o que está acontecendo e pronto, não me venha com conversa fiada. Vai direto ao lead e edita. Meu tempo é curto, o seu também, estamos quites.

O almoço é corrido. Engolir, porém, é diferente e degustar. Homens e mulheres da era pré-histórica tinham caninos ampliados. Precisavam rasgar carne. Não era um espetinho qualquer, eram lascas mesmo de bichos caçados. Agora são os fast-foods, dentes para que? Diz a ciência que, nesse ritmo alimentar, seremos banguelas em breve.

Na tarde de sol, Cuiabá castiga, heim. Sair para a reportagem é suar em bicas na certa. Às vezes a mente roda, a pressão baixa e a gente não entende bem o que o outro está falando, custa a cair a ficha, os fatos rodam no ar.

Dá um banzo...

O que tem status de pauta nem sempre faz o jornalista querer sair desse banzo, ir atrás, ser gato caçando o rato. O bicho jornalista não rasga carne, só busca o fast-food, a notícia fria e rápida e quase pronta. É isso que o capitalismo vai exigir dele, é isso que ele rende.

É um perigo acomodar-se nisso. Perigo físico e psíquico.

A noite em Cuiabá é tão boa... A lua quando vem surgindo por de trás da montanha é uma solidão, diria até uma emoção se você parar para admirá-la... Nessa hora o calor insistente lembra amor, sonho e renovação, descanso e meditação.

Deitada na cama, a jornalista pensa em pautas para amanhã... pensa em mudar o mundo, quanta pretensão! Em ser feliz no amor, para que as outras loucuras não a devorem nesse ritmo de produção, que corta o bate-papo, o cafezinho vagaroso, o olhar olho no olho durante alguns longos eternos minutos. São tantas coisas que a velocidade não alcança... o abanar de rabo de uma cachorrinha fiel, uma boa conversa com a filha, a vida besta apenas sem ter que dar lucro a ninguém, arroz com bife, arroz com ovo, couve com feijão, viciantes pequis roídos até o fim..

Almejar o passo da tartaruga... que lenta, lentamente, cumpre sua rota, insubornável.
Até que sejam possíveis outras formas de vida e de jornalismo.

* Keka Werneck é jornalista em Cuiabá e Diretora de Mobilização do Sindjor-MT

5 comentários:

Camilo disse...

Caracas!!! que artigo linnndooo

Lu disse...

Oi amiga... descrito assim mesmo um dia cheio fica lindo... mas esse não é só a rotina do jornalista ...a loucura do capitalismo atinge a todos mesmo dos que lutam contra ele e nada contra a maré...
Forças
Abraços

mimi sato disse...

estamos mesmo na era líquida, assim denmina o sociólogo bauman, q a época fugaz escapa de nossas mãos, tornando-se líquida...

eu queira fazer uma ciência slow, parar de ri em fas food, brincar mais, ler mais, curtir mais...

mas meu discurso é só teórico e eu vivo o chamado olho do furacão! mas 2012 será diferente... e eu estarei mais presente pra escrever pquenas matérias de ambiente pra minha amiha jornalista... :)

beijos querida, BELÍSSIMO TEXTO, ADOREI!
*

Dafne Henriques Spolti disse...

Muito bom, Keka! A correria pode até ser legal. Mas quando passa de correria para essas jornadas exaustivas em que não dá para pensar tanto...

É, precisamos desacelerar... cuidar de nós todos de verdade.

Bjs, Keka

Mary Weinstein disse...

jornalista bacana.