Por EDUARDO MAHON
Parece ser apenas uma provocação haver alguém que queira pegar carona em diploma de curso superior para exercer profissão para o qual não foi habilitado, apenas porque é formado em outra disciplina. Já foi o tempo em que emoldurava-se na parede o status que conferia poder para dizer-se superior. Agora, é preciso estudar mais, especializar-se, graduar-se na área para a qual houve preparação. Essa evolução não é do cidadão ou das profissões e sim uma garantia da sociedade pelo estabelecimento de um mínimo de estofo teórico sobre aquilo que se presta de serviços.
A bola da vez daqueles que querem tirar uma casquinha do estudo alheio é o jornalista. O Ministério da Educação, num rasgo de paternalismo com terceiros interessados, avalia a permissão de qualquer profissional com diploma de curso superior exercer o jornalismo, com as características inerentes à profissão, incluindo as prerrogativas legais exclusivas para a classe. Quando o populismo avança na educação, ideários como este assaltam a sociedade. Simples – quem tenha diploma não vai pra cela comum e pode assinar um jornal sob sua responsabilidade. Ou seja, o jornalismo sairia de lambuja, uma adicional para quem estuda e se forma. É que se os integrantes de um governo populista confundem partido com governo, podem muito bem transformar bacharel em jornalista.
E é mais interessante que essa distorção só venha a afetar o jornalismo. O profissional de enfermagem, o homeopata, o fisioterapeuta, cada qual tem o seu valor e as profissões devem ser especializadas para que o paciente seja melhor atendido, aumentando as chances de sucesso. Mas quem queira bancar o médico, avançando no campo de atuação alheio, será punido criminalmente inclusive. Da mesma forma com os advogados e mais fortemente com essa classe. Não basta apenas exibir um título de bacharel como também é necessário ser aprovado em exame de desempenho para comprovar que tem o mínimo de técnica para exercer um múnus público. Quem se arvora a desempenhar o papel de causídico sem habilitação, é estelionatário.
A maioria dos “advogados medalhões” não fez o exame, porque este não havia. Ainda assim, só protesta contra a avaliação os acadêmicos que se pelam de medo de serem examinados. Mas claro, quem exige um mínimo de bagagem conceitual não é este ou aquele cliente e sim a sociedade que precisa de controle, porque assim como cargo público estável não mais é distribuído por simpatia, profissão não é um lazer fútil.
Mas, estranhamente, com o jornalista a mesma lógica não se dá. Ao que tudo indica, o curso de jornalismo para o Ministério da Educação não tem qualquer serventia e isso é um absurdo. No currículo, o profissional de comunicação tem aulas específicas de como lidar, pautar, apresentar uma notícia, preservando a fonte ou administrando um conflito de interesses. E a ética. A compostura jornalística é toda especial, a ética profissional não é a ética popular – só o cidadão muito desinformado que acredita no paralelo entre a “sua” ética e a ética profissional. Não se exige que nenhum outro profissional leia e saiba o código disciplinar do advogado, mas se deduz que qualquer profissional tenha conhecimento da ética jornalística. É pitoresco o raciocínio!
Claro que há péssimos profissionais de jornalismo, inclusive aqueles que são medíocres no ofício de comunicar-se e outros piores a amealhar dinheiro com chantagens e manipulações do fato, mas também há péssimos médicos, advogados, engenheiros, arquitetos, historiadores, geógrafos, igualmente vendilhões e manipuladores, o que não dá qualquer placet para que um jornalista vá registrar uma obra no conselho profissional alheio e nem tampouco defender-se a si mesmo em um processo, por mais culto que possa parecer o profissional. Evidente que o conhecimento não está no cabresto universitário e a competência vem a reboque do diploma, mas o bacharelato e a licenciatura são pressupostos mínimos de ciência de um currículo específico, como ocorre com qualquer profissão.
Trazer outros profissionais para ilustrar um jornal é uma coisa, pegar carona no diploma alheio, é bem diverso. O economista poderá contribuir com sua ótica sobre economia, o cientista político trará consigo a percepção da conjuntura política, o jurista oferecerá o ponto de vista legal: um jornal cresce ouvindo outros saberes, como qualquer profissão. O bom advogado se socorre de laudos emanados de outros profissionais, assim como o próprio Poder Judiciário, ao chamar para auxiliar tantos expertos quantos forem as especialidades envolvidas no caso. O multiculturalismo, a diversidade, a pluralidade não só amplia a visão social sobre um fato como democratiza o conhecimento.
Ainda assim, não se misture alhos com bugalhos. O jornalista é justamente aquele que aprendeu transitar por várias áreas, colhendo impressões, ações e reações diante e detrás da notícia. Quem pensa ser fácil lidar com uma notícia e com o feixe de interesses que a circundam, é um amador. Amador e usurpador, diria eu. É muita presunção pessoal e irresponsabilidade profissional creditar-se a si mesmo as láureas que a bancada universitária concede. Ora, então por que há faculdade? Qual o diferencial de mais de setecentos anos de estudos de ensino superior? Aquele sem habilitação específica que quer administrar um jornal, responsabilizar-se por um periódico, coordenar outros profissionais da imprensa não pode ser um rábula ou um estelionatário. Rábula porque a prática, por mais que confira a excelência no trabalho jamais substituirá o conhecimento científico universitário e estelionatário, porque parece que certos setores querem fazer um jornal sob encomendas, sem qualquer pauta profissionalizada e nem responsável técnico. Fico perplexo com colegas advogados que querem tanto proteger seus escritórios, não tendo a mínima coerência ao franquear um jornal àqueles completamente alheios à profissão para a qual foram talhados.
De fato, todos têm direito de escrever e se ver publicada a sua opinião. É com a multiplicidade de idéias que se constrói uma sociedade democrática. De outro giro, os leitores têm direito de não ler o que é ruim ou de preterir uma notícia plantada, forjada ou negociada, inclusive por jornalistas. Contudo, cada macaco no se galho: a liberdade de expressão numa linha editorial (aspecto muito mais amplo que um mero ensaio) deve vir acompanhada de uma série de responsabilidades inerentes ao mister de cada profissional. O jornalista não é um livre-pensador, um escritor de ocasião, um sujeito de segunda classe. Vamos parar com a mania de pegar carona no estudo alheio.
* EDUARDO MAHON é advogado
A bola da vez daqueles que querem tirar uma casquinha do estudo alheio é o jornalista. O Ministério da Educação, num rasgo de paternalismo com terceiros interessados, avalia a permissão de qualquer profissional com diploma de curso superior exercer o jornalismo, com as características inerentes à profissão, incluindo as prerrogativas legais exclusivas para a classe. Quando o populismo avança na educação, ideários como este assaltam a sociedade. Simples – quem tenha diploma não vai pra cela comum e pode assinar um jornal sob sua responsabilidade. Ou seja, o jornalismo sairia de lambuja, uma adicional para quem estuda e se forma. É que se os integrantes de um governo populista confundem partido com governo, podem muito bem transformar bacharel em jornalista.
E é mais interessante que essa distorção só venha a afetar o jornalismo. O profissional de enfermagem, o homeopata, o fisioterapeuta, cada qual tem o seu valor e as profissões devem ser especializadas para que o paciente seja melhor atendido, aumentando as chances de sucesso. Mas quem queira bancar o médico, avançando no campo de atuação alheio, será punido criminalmente inclusive. Da mesma forma com os advogados e mais fortemente com essa classe. Não basta apenas exibir um título de bacharel como também é necessário ser aprovado em exame de desempenho para comprovar que tem o mínimo de técnica para exercer um múnus público. Quem se arvora a desempenhar o papel de causídico sem habilitação, é estelionatário.
A maioria dos “advogados medalhões” não fez o exame, porque este não havia. Ainda assim, só protesta contra a avaliação os acadêmicos que se pelam de medo de serem examinados. Mas claro, quem exige um mínimo de bagagem conceitual não é este ou aquele cliente e sim a sociedade que precisa de controle, porque assim como cargo público estável não mais é distribuído por simpatia, profissão não é um lazer fútil.
Mas, estranhamente, com o jornalista a mesma lógica não se dá. Ao que tudo indica, o curso de jornalismo para o Ministério da Educação não tem qualquer serventia e isso é um absurdo. No currículo, o profissional de comunicação tem aulas específicas de como lidar, pautar, apresentar uma notícia, preservando a fonte ou administrando um conflito de interesses. E a ética. A compostura jornalística é toda especial, a ética profissional não é a ética popular – só o cidadão muito desinformado que acredita no paralelo entre a “sua” ética e a ética profissional. Não se exige que nenhum outro profissional leia e saiba o código disciplinar do advogado, mas se deduz que qualquer profissional tenha conhecimento da ética jornalística. É pitoresco o raciocínio!
Claro que há péssimos profissionais de jornalismo, inclusive aqueles que são medíocres no ofício de comunicar-se e outros piores a amealhar dinheiro com chantagens e manipulações do fato, mas também há péssimos médicos, advogados, engenheiros, arquitetos, historiadores, geógrafos, igualmente vendilhões e manipuladores, o que não dá qualquer placet para que um jornalista vá registrar uma obra no conselho profissional alheio e nem tampouco defender-se a si mesmo em um processo, por mais culto que possa parecer o profissional. Evidente que o conhecimento não está no cabresto universitário e a competência vem a reboque do diploma, mas o bacharelato e a licenciatura são pressupostos mínimos de ciência de um currículo específico, como ocorre com qualquer profissão.
Trazer outros profissionais para ilustrar um jornal é uma coisa, pegar carona no diploma alheio, é bem diverso. O economista poderá contribuir com sua ótica sobre economia, o cientista político trará consigo a percepção da conjuntura política, o jurista oferecerá o ponto de vista legal: um jornal cresce ouvindo outros saberes, como qualquer profissão. O bom advogado se socorre de laudos emanados de outros profissionais, assim como o próprio Poder Judiciário, ao chamar para auxiliar tantos expertos quantos forem as especialidades envolvidas no caso. O multiculturalismo, a diversidade, a pluralidade não só amplia a visão social sobre um fato como democratiza o conhecimento.
Ainda assim, não se misture alhos com bugalhos. O jornalista é justamente aquele que aprendeu transitar por várias áreas, colhendo impressões, ações e reações diante e detrás da notícia. Quem pensa ser fácil lidar com uma notícia e com o feixe de interesses que a circundam, é um amador. Amador e usurpador, diria eu. É muita presunção pessoal e irresponsabilidade profissional creditar-se a si mesmo as láureas que a bancada universitária concede. Ora, então por que há faculdade? Qual o diferencial de mais de setecentos anos de estudos de ensino superior? Aquele sem habilitação específica que quer administrar um jornal, responsabilizar-se por um periódico, coordenar outros profissionais da imprensa não pode ser um rábula ou um estelionatário. Rábula porque a prática, por mais que confira a excelência no trabalho jamais substituirá o conhecimento científico universitário e estelionatário, porque parece que certos setores querem fazer um jornal sob encomendas, sem qualquer pauta profissionalizada e nem responsável técnico. Fico perplexo com colegas advogados que querem tanto proteger seus escritórios, não tendo a mínima coerência ao franquear um jornal àqueles completamente alheios à profissão para a qual foram talhados.
De fato, todos têm direito de escrever e se ver publicada a sua opinião. É com a multiplicidade de idéias que se constrói uma sociedade democrática. De outro giro, os leitores têm direito de não ler o que é ruim ou de preterir uma notícia plantada, forjada ou negociada, inclusive por jornalistas. Contudo, cada macaco no se galho: a liberdade de expressão numa linha editorial (aspecto muito mais amplo que um mero ensaio) deve vir acompanhada de uma série de responsabilidades inerentes ao mister de cada profissional. O jornalista não é um livre-pensador, um escritor de ocasião, um sujeito de segunda classe. Vamos parar com a mania de pegar carona no estudo alheio.
* EDUARDO MAHON é advogado
Um comentário:
Excelente!!! Muito bom!!! Adorei!!!
Conheço uma porção de remédios.... sei pra que servem... mas não saio por aí receitando (só à vezes). Se bem que como tenho curso superior, vou requerer meu dimploma de médica...
Jornalismo não é emprego, é profissão. Repeitem o meu diploma!
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