Caros amigos jornalistas e companheiros de luta,
Nunca na minha vida eu sonhei em ir tão perto e tão longe ao mesmo tempo! Calma, eu explico. É que passei as férias na Bolívia e no Peru. Bem aí do nosso lado, inteiramente acessível por terra. Mas a natureza, o povo, a culinária, são tão diferentes do Brasil, que pensei mesmo estar em outro planeta. Em um mundo paradisíaco sabem? Onde cachoeiras nascem do alto das montanhas nevadas, os vulcões aparentemente “adormecidos” fazem os lagos entrarem em constante ebulição, onde as lhamas, vicuñas e alpacas pastam elegantemente, onde os índios ostentam orgulhosos suas danças e folclore, que preservam com o zelo de quem preserva um diamante. Enfim queridos, quero compartilhar essa experiência única na minha vida com vocês de uma maneira informal e com pitadas de humor.
Quem me guiou nessa viagem foi minha querida amiga e irmã em Cristo Val, que é turismóloga, mestre em desenvolvimento regional e tem um projeto grandioso de integração dos países da América Latina por meio do turismo. Na verdade, apesar de passear bastante, Val viajou mais a trabalho mesmo.
Nós saímos do Brasil no dia sete de janeiro deste ano. No dia anterior viajamos de Cuiabá para Cáceres, onde dormimos na casa de parentes da Val. Bem cedinho na manhã seguinte pegamos um ônibus para o Corixa, uma região neutra de fronteira. Após fazer o registro na imigração boliviana chegamos à atrasada cidade de San Matias, onde as ruas de terra sujam as casas e os moradores de pó o dia inteiro. Devido à época de alta temporada, os ônibus para San Ignácio de Velasco estavam todos lotados. Ficamos no mato sem cachorro! Não queríamos dormir naquele fim de mundo. A Val procurou então o prefeito da cidade, que é conhecido dela, mas apenas a primeira dama estava lá. Ela arrumou o único jeito para viajarmos: em pé sacudindo no ônibus.
No começo até foi festa viajar em pé, mas após umas quatro horas sacolejando nas estradas de terra, eu não resisti: vomitei até os bofes. Sentei no chão encardido algumas vezes. Um senhor de idade, que se compadeceu de nós, nos ofereceu o assento dele por alguns momentos. Tive que sentar no colo da Val. Foi a redenção, já que ao todo a viagem durou seis horas.
Fazer o quê? O jeito foi sentar no chão ou no colo da Val.
Em San Ignácio de Velasco fomos acolhidas na casa do prefeito Erwin Méndez Fernandez, amigo da Val. Ele e a família nos trataram super bem. O casarão era uma graça, com colunas barrocas e uma grande área central, cercada pelos quartos, todos talhadinhos de madeira.
Os amigos da Val, o empresário do setor turístico e madeireiro Edmundo, o funcionário dele Edivaldo e o guia municipal de turismo Jesus, fizeram as honras de nos levar para comer um delicioso tucunaré frito. Depois eles nos levaram a um karaokê, onde eu e a Val tiramos fotos. Eles, porém, cantaram um pouco. No dia seguinte, o prefeito e a família dele, nos prepararam peixe ensopado com um arroz típico da região: cozido no leite e com queijo. Tiramos várias fotos na igreja barroca e na praça da cidade. A arquitetura chiquitana é uma mistura da arte espanhola barroca e dos desenhos indígenas locais, que adornam portas e janelas. Coisa linda mesmo!
Dá só um look no interior da igreja de San Ignácio pessoal.
Muita pintura de ouro e madeira talhada, que graça!
Dormimos apenas uma noite em San Ignácio e seguimos para Santa Cruz de La Sierra. Para nosso alívio, parte da estrada já tinha asfalto. No meio do trajeto nos demos conta de que havíamos deixado a máquina fotográfica pra trás. Tarde demais. Porém, por providência divina, um amigo da Val nos trouxe a máquina na tarde do dia seguinte. Só é pena que não tiramos foto alguma de Santa Cruz na ida.
Santa Cruz de La Sierra é bem mais desenvolvida economicamente. A cidade é mesmo linda, com belos cafés, bares e restaurantes. Ronaldo (todos aqui são amigos da Val), um economista que trabalha com economia solidária na prefeitura local, nos levou para passear.
Fomos ao zoológico e eu e a Val nos lembramos de nossas sobrinhas. Do quanto elas gostariam de ver as onças, os pumas e os macaquinhos, que nos divertiram muito com as macaquices. Comemos pêssego na rua e estava delicioso. Suculento e doce. Na Bolívia há frutas frescas e baratas a venda na rua o ano todo. Figo roxo, cerejas frescas, ameixa, pêssego...ah também provei a tuna, uma frutinha que vem do cactus e o sabor é bem parecido com o do kiwi.
Em Santa Cruz dormimos da casa da empresária de turismo Verônica. No dia seguinte bem cedo, partimos para Cochabamba. Eu e Val tomamos uma decisão: viajar de táxi coletivo até Cochabamba, em vez de pegar o ônibus. O problema com o ônibus é que ele iria demorar até dois dias para chegar ao destino porque iria pegar uma estrada antiga, já que havia um desmoronamento na estrada mais curta: a região montanhosa de Chapari. Os desmoronamentos nessa estrada acontecem naturalmente todo ano nessa época, visto que chove muito na região. Escolhemos nos arriscar assim mesmo pelo Chapari.
Nos táxis, porém, descobrimos uma máxima boliviana: sempre cabe mais um. Onde deveriam ir no máximo cinco pessoas, entravam seis, sete, oito! Fomos apertadas em várias ocasiões. Sem contar, que o primeiro táxi que pegamos teve os dois pneus do lado esquerdo estourados por um bloco de pedra. A pedra surgiu do nada, no meio da pista ainda em Santa Cruz. Em cada povoado trocávamos de táxi para seguir o rumo. Em um deles, enquanto eu e Val encaixávamos nossos quadris no banco dianteiro ao lado do motorista, dizendo que não caberíamos juntas ali, o motorista da etnia quechua dizia em seu dialeto que as bolivianas se ajeitam mais facilmente e são menos exigentes. Val respondeu em espanhol, que se ele falasse mal de nós, ela lhe daria um soco na cara, em tom de brincadeira. Todos riram.
Fizemos amizade com bolivianos dentro do táxi. Um deles, gerente da concessionária de energia elétrica, havia deixado o carro dele na cidade seguinte e nos deu carona por um bom trecho adiante. Ele gostou muito dos louvores que eu e Val viemos cantando dentro do carro. Alguns em espanhol do cantor mexicano Marcos Witt. “Yo te busco, com fuego em mi corazón”, e por aí vai. Tomamos café da manhã juntos em um belo hotel na beira de estrada. A refeição com suco, pão e ovos mexidos estava deliciosa. Depois eu e a Val tomamos outro taxi e nos despedimos do amigo.
Nossos queridos amigos bolivianos. Como é bom fazer amizades!
Essa viagem pela região Chapari foi muito divertida, nós rimos demais. Antes do desmoronamento havia uns seis quilômetros de caminhões parados, esperando as obras do governo se completarem para seguir viagem. Tivemos que pagar 15 bolivianos para que os mototaxistas nos levassem até a zona de desmoronamento. O carinha que me levou na moto estava com a bochecha até fofa de tanta folha de coca que mascava, como vocês podem ver na foto. O tom da aventura foi a corrida dos mototaxistas por entre as filas de caminhões que iam e vinham. Era um verdadeiro corredor da morte! Ai que medo!
Olha o tamanho da bochecha desta criança! Cheinha de folhas de coca. Hehehe.
É claro que não caminhamos no exato local do desmoronamento. O trecho estava interditado, cheio de máquinas e homens trabalhando. O exército fez um desvio pelo mato e lá fomos nós, como formiguinhas carregando aqueles mochilões enormes nas costas e o notebook. O mochilão da Val estava mais pesado que o meu e tive que pedir a um soldado que o carregasse pelo menos na subida íngreme.
Olha o mochilão da Val!
A máquina do governo retirando a terra da pista.
Do outro lado do desmoronamento pegamos uma van e a viagem foi esplêndida. As montanhas são primorosas, todas coloridas como uma colcha de retalhos, com faixas de flores amarelas, de grama verde, de casinhas de collas (uma etnia indígena da Bolívia). Há várias cachoeiras descendo nos recortes das pedras e a música andina colocada pelo motorista da van se encaixou perfeitamente na paisagem. A flautinha soa muito gostoso e as letras falavam de ufanismo, “mi querida Bolívia” ou de amor... “mi vida, mi córazon, mi amor, te necesito”! Ai, ai, ai !
Quando acabou o cd pedimos para o motorista colocar mais música e adivinhem só? Em vez de colocar canções andinas como esperávamos, o cara colocou uma seleção dos maiores sucessos das danceterias da década de 80! Havia umas músicas inacreditáveis. Teve uma que o “cantor” achou o arroto dele musical, gravou e fez uma mixagem. Todo o refrão era o arroto mixado. Era mais ou menos assim: Buurp, buurp, burrrrrrp! E no final vinha aquela risadinha da música Triller, sucesso do Michael Jackson. Eu e Val rimos até chorar.
Chegamos a Cochabamba no sábado, famintas. Pegamos um quarto em um Hostal (um hotel mais simples e barato) e tomamos um banho (estávamos precisando, pois até xixi no mato fizemos, mas sorte nossa que foi só isso porque o cheirinho pelo mato lá, indicava que os bolivianos fizeram outras cositas más...eu e Val falamos mieeeerrrda!! kkkk). Depois do banho fomos almoçar e jantar ao mesmo tempo. Eu e Val endoidamos com a câmera na mão. Cochabamba tem umas ruas maravilhosas, umas fachadas fenomenais. A cidade tem arquitetura barroca, é cheia de arcos romanos e pilares, muito charmosa!
Gente, como Cochabamba é linda! Muy hermosa!
Procuramos um restaurante japonês porque estávamos até chorando para comer um sushizinho, mas como estávamos famintas e cansadas de procurar, entramos em um restaurante chinês e não nos arrependemos. Comemos camarão com legumes cozidos e arroz chop-suei (não sei bem se é assim que se escreve). Que cosa, que rico, mui exquisito!!!!!!
Enfim amigos, a Bolívia é incrível, é bela. Que me perdoem os que se fascinam com as luzes de Las Vegas ou com a artificialidade de Dubai, mas aquilo ali é a natureza pura se manifestando. É obra das mãos do criador e glórias a Ele por essa aventura pela América do Sul.
Aspectos religiosos, políticos e citadinos da Bolívia
Como jornalista não pude deixar de fazer alguns registros sobre a Bolívia. Val morria de rir de mim, a cada momento pegava meu bloquinho e disparava a escrever como doida. Como o lugar é interessante e cheio de notícias!
Referendo sobre a Nova Constituição
Em janeiro a Bolívia viveu um momento histórico e decisivo. No dia 25 de janeiro, aniversário da Val, os bolivianos compareceram às urnas e aprovaram a Nova Constituição. Os bolivianos estavam super divididos sobre o assunto. Na parte oriental do país (Santa Cruz, Tarija, Pando e Chuquisaca) prevalecia o não à Nova Constituição. Os comitês cívicos, os empresários, os religiosos, o setor industrial e desenvolvimentista apoiaram campanhas pelo não. Eles alegavam que Evo quer uma Bolívia de 500 anos atrás, com produção de subsistência. A Nova Constituição acaba com as grandes propriedades reduzindo-as a cinco mil hectares para os produtores rurais e 300 ha para os indígenas. Ela também divide o país em 36 regiões indígenas.
Os índios, aliás, poderão se eximir da justiça ordinária, valendo-se da justiça comunitária (seria o retorno do suplício? Não sei).
Mas a briga maior, Evo Morales arrumou mesmo com as igrejas, tanto católicas quanto evangélicas. Evo é ateu e ao fazer juramentos levanta o punho cerrado e jura em nome do deus sol ou de Pachamama (mãe terra), todas divindades incas e collas. Li nos jornais que houve protestos nas praças de Santa Cruz de La Sierra e rolou até umas porradas. É! O povo saiu no soco mesmo!
Na TV havia algumas inserções de propagandas pelo NO à Constituição. Uma era bem apelativa. Ela mostrava a imagem de Evo ao lado de uma imagem de Jesus Cristo e perguntava: “- No dia 25 em quem você vai votar, em Deus ou em Evo Morales?”. Logo depois aparecia a Constituição pegando fogo, o fogo do inferno, vôôôte.....
Ah, antes que eu me esqueça, a nova Constituição permite ao presidente ser reeleito. Antes só era permitido um mandato de cinco anos para presidente. Até que esse Evo Morales é bem danadinho não? Quanto aos americanos do departamento de Luta Contra os Narcóticos que ficavam por aqui...Evo deu um belo pé na bunda deles!
Bem agora vou falar sobre o outro lado da moeda. No ocidente da Bolívia, pelas bandas de Cochabamba, La Paz, Oruro e Potosí, Evo é aclamado pelo povo. Os índios estão amando o governo dele e não é por menos. Jamais na história desse país (opa, de onde conheço esta frase? hehehe) os índios foram tão prestigiados. Eles que foram historicamente extirpados, banidos e discriminados. Todos os muros das cidades ocidentais estavam pixados de SI à Constituição. SI para Evo. Na nova Constituição, aliás, os indígenas passam a ser considerados como cidadãos de primeira classe, com mais direitos que os mestiços.
Eita! Pela manchete percebe-se que Evo gostou de chegar ao poder.
O Trânsito maluco da Bolívia
- Juro, juro mesmo! Não vou mais reclamar do trânsito de Cuiabá. Cuiabá tem o trânsito mais organizado do mundo perto do da Bolívia. Lá o tráfego é uma zona geral. O sistema de preferências não funciona. O que funciona é o seguinte: passa quem colocar a frente do carro primeiro. Toda hora eu pensava que ia ter batida. Mas você deve estar se perguntando: - O que impede isso de acontecer? A buzina é a resposta para essa pergunta. O condutor enfia a frente do carro no espaço que quer seguir e dá uma sonora buzinada para todo mundo saber que é ele quem vai passar, daí ele entra com o resto do veículo e seja o que Deus quiser! Se o outro parar bem, mas se não parar BUM, bate o carro! Por funcionar desta maneira, a buzina rufa o dia e a noite inteira.
O trânsito em alto La Paz. Que zona!
Religiosidade da Idade Média
A população boliviana é extremamente religiosa. As imagens de escultura estão espalhadas por toda parte, até nas estradas têm aquelas casinhas pequenininhas com umas grades e uma estatuetazinha lá dentro. No comércio, nas casas, há santinhos para todo o gosto, alguns parecem até bonecas de criança brincar sabe? Com umas bochechinhas fofinhas, rosadas e até uns brinquinhos na orelha.
Bem vocês devem estar pensando que são apenas os católicos os religiosos. Na-na-ni-na-não. Os índios sempre fazem oferendas de bebida e comida para Patchamama (lembra que eu falei da mãe terra?). Essa coisa de deixar “pro santo” é bem velha né? Bem amigos, espero não ter enfadado vocês, mas sim oferecido um pouco de diversão com as minhas aventuras (e de Val) pela Bolívia. Ainda tem La Paz e Peru viu pessoal?
Nós poderíamos até fazer aquela viagem de avião, tal, desce no aeroporto, vai pro hotel. Mas daí além de ficar dura, que tipo de história iria contar para vocês? Foi tudo bem, foi tudo normal...uáááááá, daria até sono. Beijos meus queridos, que Dios bendiga ustedes e hasta la vista baby!
Das amigas Andrea Godoy (jornalista) e Val Carvalho (turismóloga).
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