Nós, jornalistas, costumamos brincar dizendo que quem conclui a faculdade de
jornalismo deveria receber um atestado de loucura. Afinal quem se aventuraria em
sã consciência a estudar para ingressar em uma profissão sem piso salarial
estabelecido? Sem hora para voltar para casa? Sem direito a repouso no sábado ou
no domingo, e no caso de editores e apresentadores tendo que acordar a partir
das 4 horas da madrugada para colocar o jornal no ar às 6h?
No entanto, fazemos o que fazemos porque amamos a profissão. Amamos vasculhar o inédito, o oculto, o isolado e proclamar as notícias aos quatro ventos do mundo! Amamos um bom texto - simples, claro e conciso - para tornar a leitura agradável e digerível. Certamente se pensássemos apenas no dinheiro nos esmeraríamos para nos tornar juízes, desembargadores, médicos, engenheiros.
Porém, chega a hora em que é preciso pensar no dinheiro. A vida nos obriga a isso sendo nós jornalistas ou não. Todos querem dignidade, querem ver os filhos estudando em boas escolas, prover seus lares com os alimentos mais nutritivos, querem acesso não apenas à saúde, mas ao lazer, à cultura, ao esporte, e tudo isso custa dinheiro!
O Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjorn/MT) está em nova campanha salarial e não é apenas para assegurar um reajuste, mas fixar um piso salarial que os jornalistas do Estado sequer possuem. Um piso que seria um balizador para evitar as diferenças e injustiças. Mas o que parece o mínimo aceitável tem sido uma árdua luta para nós jornalistas.
Para começar nós jornalistas, que fazemos cobertura das greves de todas as demais categorias, não temos direito à greve. Vocês já viram greve de jornalistas? Eu não! Só ouvi falar de uma paralisação há muito tempo atrás (bons tempos aqueles). No mais, temos greve de professores, greve de motoristas, de bancários, mas o jornal jamais deixa de rodar e o telejornal nunca falha também.
Não é que os jornalistas sejam proibidos de fazer greve. Longe disso! Não são proibidos diretamente. Com o passar do tempo os patrões descobriram novas formas de desarticular a categoria sem precisar parecer ditadores. Como escreveu o filósofo Michel Foucault em referência à J. M. Servan: “Um déspota imbecil pode coagir escravos com correntes de ferro...mas é sobre as fibras moles do cérebro, que se funda a base inabalável dos mais sólidos impérios”(pl.93 Vigiar e Punir).
Hoje a “coação” que desarticula a categoria são os benefícios dados a poucos para evitar que sejamos “uma só voz”. Se pegarmos as folhas de pagamento das redações, veremos que em uma empresa de comunicação, pessoas que exercem a mesmíssima função têm diferenças salariais gritantes. Isso pode não acontecer em todas as empresas, mas sucede na maioria delas. E como alguns estão satisfeitos, a maioria não pode lutar. Não pode lutar porque teme perder o emprego, teme ser denunciado pelos poucos que comem na mão do dono da empresa de comunicação, que elege seus favoritos e não por critérios éticos ou profissionais, mas sim pessoais.
Os poucos jornalistas favorecidos pelos donos de comunicação também são muito explorados. Cumprem horas-extras e não ganham por isso, mas como se sentem privilegiados, trabalham felizes e fazem os outros trabalharem também. Vocês se lembram daquele cavalo do livro “A Revolução dos Bichos” de George Orwel? O cavalo Sansão trabalhava “prá burro”, se me permitem a expressão, em benefício dos porcos que conquistaram a sede da fazenda e queria que todos os outros fizessem o mesmo, porque ele acreditava mesmo que os porcos iam construir uma fazenda muito melhor para todos. Mas na verdade as maçãs, a produção toda da fazenda só ia para os porcos se fartarem! Pois é, é mais ou menos assim que acontece.
Concomitantemente a isso também existe uma mobilização sutil pela precarização da profissão de jornalista. Existem pessoas interessadas em retirar a obrigação do diploma para exercer a profissão. O próprio presidente o Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes, relata favoravelmente a um recurso extraordinário que derruba por terra a exigência do diploma.
E quem ganha com isso? Ora, todos nós sabemos que a maioria dos veículos de comunicação pertence ou está ligado a algum grupo político. E pessoas que não estudaram a ética jornalística nos bancos da faculdade estão mais suscetíveis a distorcer as informações ao sabor da “linha política editorial” a qual o grupo de comunicação está ligada.
E quem ganha com isso? Ora, todos nós sabemos que a maioria dos veículos de comunicação pertence ou está ligado a algum grupo político. E pessoas que não estudaram a ética jornalística nos bancos da faculdade estão mais suscetíveis a distorcer as informações ao sabor da “linha política editorial” a qual o grupo de comunicação está ligada.
É ou não é assim? Nos meus tempos de faculdade aprendi que existem duas modalidades de matéria jornalística: a notícia em si que precisa ser referencial e desprovida de adjetivos e subjetividades e o artigo que é estritamente opinativo. É a maneira do leitor saber quando ele está lendo uma opinião (pessoal) ou uma notícia (impessoal). Mas qual não foi minha surpresa ao abrir um site desses de Mato Grosso e descobrir uma nova modalidade? A “notícia comentada”, que nada mais é uma maneira de enganar o leitor para seguir uma linha política específica. Uma visão parcial dos fatos.
Um estagiário ou uma pessoa sem preparo que acha que escreve bem e “vira jornalista” já se sente muito grato por exercer uma profissão de prestígio, que o coloca diante de autoridades e isso sem precisar estudar! Imagine o quão grato ele é com o patrão por isso, e o quanto ele vai fazer qualquer coisa para permanecer nesse cômodo papel que lhe abre várias possibilidades?
É um campo livre para a difamação, para o denuncismo, para extorquir empresários, políticos e autoridades com informações que possam prejudicar suas imagens e tudo sob a desculpa da “liberdade de expressão”. É a volta do jornalismo doutrinário como já previa o romancista francês Honoré de Balzac na obra “As Ilusões Perdidas” quando ele escreveu: “Todo jornal é, como disse Blondet, uma loja onde se vendem ao público palavras da cor que deseja. Se houvesse um jornal dos corcundas, haveria de provar noite e dia a beleza, a bondade, a necessidade dos corcundas. Um jornal não é feito para esclarecer, mas para lisonjear as opiniões. Desse modo, todos os jornais serão, dentro de algum tempo, covardes, hipócritas, infames, mentirosos, assassinos. Matarão as idéias, os sistemas, os homens, e, por isso mesmo, hão de tornar-se florescentes”pl.175.
É um campo livre para a difamação, para o denuncismo, para extorquir empresários, políticos e autoridades com informações que possam prejudicar suas imagens e tudo sob a desculpa da “liberdade de expressão”. É a volta do jornalismo doutrinário como já previa o romancista francês Honoré de Balzac na obra “As Ilusões Perdidas” quando ele escreveu: “Todo jornal é, como disse Blondet, uma loja onde se vendem ao público palavras da cor que deseja. Se houvesse um jornal dos corcundas, haveria de provar noite e dia a beleza, a bondade, a necessidade dos corcundas. Um jornal não é feito para esclarecer, mas para lisonjear as opiniões. Desse modo, todos os jornais serão, dentro de algum tempo, covardes, hipócritas, infames, mentirosos, assassinos. Matarão as idéias, os sistemas, os homens, e, por isso mesmo, hão de tornar-se florescentes”pl.175.
Para piorar a luta dos jornalistas por dignidade, algumas empresas estão criando a figura do profissional “multimídia”. A ideia é prover as redações de jornalistas que fotografem, gravem, escrevam, narrem e diagramem. Não se espante se vocês se depararem com um jornalista com uma caneta, máquina fotográfica, filmadora e gravador na mão!
A TV Centro América teve outra ideia mais original para os jornalistas, que já é aplicada por várias afiliadas da Rede Globo: demitir o motorista e colocar o jornalista para dirigir o carro. Os advogados contratados pela TVCA não querem negociar piso se antes o Sindicato não aceitar essa possibilidade. Dá a impressão de que o jornalismo não dá lucro e que é preciso “enxugar” a equipe. Mas essa concepção é totalmente mentirosa. Jornalismo dá muito lucro sim, dá muita publicidade com anunciantes de “peso”.
Mas dessa forma, com os pequenos benefícios, com o medo de perder o emprego, com a precarização da mão-de-obra é que os jornalistas têm deixado de lutar. Pedimos, no entanto, que cada jornalista coloque a mão na cabeça e se dê mais valor. Que queira na vida muito mais do que migalhas e venha somar esforços para enobrecer e dignificar a profissão que tanto amamos.
Andrea Godoy é jornalista em Cuiabá
Andrea Godoy é jornalista em Cuiabá
2 comentários:
sabias palavras da moça
Não existe valorização mesmo. Já cheguei a essa triste conclusão. Não vejo mais para onde caminhar, nem tenho perspectivas. É como se aos 30 anos, com quase 8 de profissão, tivesse chegado ao fundo do poço. Olha que considero minha bagagem interessante e já passei por alguns bons cargos, com salários razoáveis se comparados com a maioria das pessoas comuns, que ganham salário mínimo. Mas todos passageiros. O que resta no final é um gosto amargo, pois permanecendo só num emprego mal consigo pagar minhas contas. Dois empregos é sinônimo de não almoçar, nem respirar direito ou ter tempo para meus filhos, nem ânimo para nada. Tenho refletido muito se é nessa estrada que eu quero continuar. Para ganhar uns trocados eu poderia vender picolé na rua...(risos) Acho que é melhor passar alguns anos destinando energia e esforço para passar num concurso público do que enriquecendo os barões do jornalismo mato-grossense ou inflando o ego de algum político (zinho ou zão). Quando a gente decide se afastar de um grande amor é dolorido. Estou passando por essa transição. Mas não vejo outra saída. Não pretendo passar o resto da vida mendigando cargo por aí...Uma vaguinha aqui ou acolá e já na entrevista ser informada com uma frase que mais parece navalha cortando a carne: Não pagamos hora extra. Como se isso fosse a coisa mais normal, quando é ilegal, imoral. Mas é isso que acontece na prática e se eu quero trabalhar, quero sustentar minha família e continuar sendo jornalista (porque foi para isso que eu estudei) tenho que fazer de conta que aceito. Porque aceitar mesmo, lá no fundo, ninguém aceita. Só os que se beneficiam de alguma maneira com isso ou que têm baixa auto-estima. Não é meu caso.
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