Para as dedicadas estudantes de
Jornalismo: Luana Soutos e Sandra
Ferreira
Alair Silveira
Profa. Depto. Sociologia e Ciência Política da UFMT
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o fim da exigência do diploma de jornalista para o exercício profissional. Aplaudida pelas entidades patronais de comunicação e criticada pelas entidades dos jornalistas, a decisão dos ministros do STF revela bem mais do que pretende por meio do apelo à “liberdade de expressão”, e do propalado repúdio a uma exigência firmada no período ditatorial.
De forma alguma a liberdade de expressão encontrava-se sob judice, mas o exercício profissional dos jornalistas. A exigência do diploma constitui-se verdadeiramente em reserva de mercado aos profissionais graduados na área, o que sob nenhum argumento constitui-se em atentado à liberdade de expressão. Trata-se, sim, de garantias trabalhistas àqueles que vivem da venda da sua força de trabalho. E, portanto, restringir o benefício aos detentores de diploma específico, como criticou o Presidente do STF, Gilmar Mendes (que por pouco não definiu como “privilégio”) não representa exclusão do direito à liberdade de expressão de profissionais de outras áreas. Esses (médicos, filósofos, historiadores, biólogos etc) podem continuar a manifestar livremente suas opiniões, mas certamente não fazem disso sua fonte de sobrevivência. Eis aqui, portanto, a razão oculta da infundada argumentação aparentemente democrática.
Os jornalistas – com sua necessária formação técnica – mais do que optarem pela sobrevivência por meio da atividade jornalística, também conquistaram - enquanto categoria profissional - um conjunto de direitos legais mínimos que lhes assegura piso salarial e jornada de trabalho diferenciada. Ao acabar com a exigência do diploma, o STF não somente quebra com a unidade profissional da categoria, senão que atende a uma demanda recorrente dos empresários (não exclusivamente do setor de comunicação): subtração/destruição dos direitos trabalhistas e amparo legal aos contratos por meio de PJ (Pessoa Jurídica), nos quais os “autônomos” contratam sem garantias trabalhistas, posto que se trata de contratos entre PJs (empresa contratante e trabalhador com CNPJ). Não por acaso, uma das mais empenhadas empresas a pressionar o Congresso e a difundir a idéia de avanço na introdução dos PJs são as organizações Globo.
A partir da extinção da exigência do diploma, as empresas de comunicação podem, além de dispor de profissionais de outras áreas dispostos a assumir compromissos contratuais sem observar os direitos trabalhistas dos jornalistas, também fragilizar, legal e materialmente, os jornalistas formados e atualmente empregados. Cumpre, assim, o STF um importante papel para a desconstrução e o desrespeito aos direitos trabalhistas das categorias profissionais, especialmente em contexto de definição quanto à Emenda 3 (PJ), que conta com o Veto do Presidente e a disposição do Congresso em derrubá-lo. Trata-se, objetivamente, de uma importante contribuição do STF à precarização das relações de trabalho,
A liberdade de expressão, portanto, não estava - nem está - em discussão. Nem tampouco o STF encontra-se movido por uma motivação democrática, que recusa qualquer validade a decretos do período militar. Afinal, decretos e formas autoritárias não são exclusividade dos regimes autoritários. Pelo contrário, podem ser ainda mais graves quando revestidos de discursos democráticos.
Assim, para além do desrespeito àqueles que fizeram opção pelo jornalismo e a ele dedicaram anos de estudo e trabalho, o STF conseguiu promover não apenas a instabilidade profissional desses, mas estendê-la a outras categorias profissionais. Como declarou o Presidente do Supremo e relator do processo, trata-se de distinguir profissões que “dependem do conhecimento técnico específico” e aquelas que dispensam regulamentação formal.
Como se pode observar, o Ministro e seus seguidores tratam como sinônimos “técnica” e área de conhecimento. E ao confundi-las, estendem a todas as áreas a insegurança profissional. No caso dos jornalistas, é justamente a especificidade técnica – e não área de conhecimento específico - que lhes permite produzir matérias jornalísticas de qualidade, mesmo que sob o crivo de editores e donos dos meios de comunicação que lhes impõem ajustes aos interesses de plantão.
Diferentemente dos profissionais de outras áreas de conhecimento, que escrevem e opinam sobre as especificidades da sua área de formação, os jornalistas valem-se da sua formação técnica para escrever sobre as mais variadas áreas de conhecimento, utilizando-se de produção especializada.
O que se extrai de tudo isso, portanto, não é a defesa intransigente da liberdade de expressão, mas uma ofensiva a diversas categorias profissionais, por meio do ataque inicial aos jornalistas. Assim, a insegurança é tanto mais real quanto mais evidente revelam-se os critérios e argumentos absolutamente insustentáveis dos Ministros. Como se vê, a Reforma Trabalhista e Sindical tem sido implantada a conta-gotas. A novidade, entretanto, é a recorrente atuação do Judiciário como Poder normativo. Da mesma forma que anteriormente se manifestou pela extensão das regras sobre o direito de greve da iniciativa privada para os servidores públicos, agora o Judiciário se manifesta sobre a regulamentação profissional.
Aliás, se democrática fosse a preocupação do STF, atenção teria dado às pesquisas de opinião popular que reconhecem como fundamental (mais de 70% dos entrevistados em quaisquer das pesquisas/enquetes) a exigência do diploma! Como, entretanto, os operadores do Direito costumam alegar que não se movem pela opinião pública, mas pelo conhecimento técnico, a escolha que fizeram pelo art. 5º, especialmente os Incisos IV e IX, poderiam ter feito por outra prioridade “técnica”: eleito o art. 1º, especialmente os Incisos II, III e IV, assim como os artigos 6º, 7º e 8º. Como se pode observar, o conhecimento “técnico” não é neutro, nem sequer daqueles que se sentem a vontade para eleger e interpretar – por ofício de profissão – quais os artigos que devem prevalecer em detrimento de outros.
Para concluir, resta questionar a atuação do Estado (portanto dos três Poderes) sobre a concessão pública dos serviços de telecomunicações, de radiofusão sonora e de sons e imagens (art. 21, inciso XI e XII da Constituição Federal), articulada aos Capítulos dos Princípios Fundamentais e dos Direitos e Garantias Fundamentais. Como é possível que os canais abertos de televisão sejam – preponderantemente – concedidos a manifestações religiosas? Não é o Estado laico? Não está assegurado constitucionalmente o direito ao pluralismo político e vedado toda espécie de discriminação? Não é a educação responsabilidade do Estado?
Sem sequer entrar na discussão sobre o baixo nível da programação dos canais abertos (com seus Faustões e seus Gugus, Fantásticos e Super Pops etc), causa indignação que concessões sejam autorizadas – sem nenhum tipo de contrapartida do ponto de vista do interesse público – às mais particulares e específicas manifestações televisivas, que ultimamente mais se aproximam de templos eletrônicos.
Como a maioria esmagadora das pessoas não dispõe de recursos para pagar por canais fechados, ficamos absolutamente reféns dos credos religiosos, além de programações de baixíssimo nível. Em MT, com o fechamento do SBT, o que já era terrível conseguiu ficar pior (apesar de tudo, ainda era possível ter alternativa de telejornalismo, filmes e seriados). Acrescente-se a isso, o profundo silêncio do Departamento de Comunicação Social da UFMT, assim como do Ministério Público sobre essa avalanche de péssima qualidade e doutrinação religiosa que assola os canais abertos.
Assim como a reação às decisões do STF deve mobilizar os sindicatos de jornalistas e os cursos de Comunicação Social, também os absurdos das concessões públicas devem ser denunciados e enfrentados por aqueles que têm como objeto de estudo exatamente a formação profissional e a comunicação social como um todo.
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