Ficou difícil escrever qualquer coisa depois da passagem de
um verdadeiro furacão chamado Elaine Tavares.
O corpo pequeno é visivelmente apertado para guardar dentro dele tantos
questionamentos, tantos sentimentos, tanta humanidade... então, explode! Foi
assim que a jornalista falou sobre reportagem e emocionou os participantes do
Seminário Liberdade de Imprensa e Direitos da Personalidade, na manhã desta
sexta-feira, 31 de agosto.
O contato com humanos desde a infância a transformou na
profissional extremamente sensível que é. Pode parecer estranho dizer “o
contato com humanos”, mas nos dias de hoje não são todas as pessoas que
enxergam o próximo assim, como humanos - em especial jornalistas, que têm a
obrigação de descrever histórias que envolvem humanos.
Traficantes, prostitutas, jogadores de futebol... o que
todos eles têm em comum? São vidas. São humanos. E ela sempre soube enxerga-los
assim, desde criança, quando nos intervalos das aulas no Rio Grande do Sul, ia
até a beira do rio com os colegas e encontrava lá humanos, que por algum motivo
a nossa sociedade tentava esconder. A verdade é que a jornalista, além de dar
uma grande aula sobre o jornalismo, nos deu mesmo uma grande aula de
humanidade.
Ao apresentar Enrique Dussel, teórico da filosofia da
libertação, que a inspirou sobre um jornalismo também libertador, a jornalista
afirma que “a única ética que existe é a da vida, e da vida da vítima”. Segundo
ela, há apenas dois tipos de jornalismo: aquele que serve à maioria (oprimida), e aquele
que serve à minoria (detentores do poder político e econômico). O jornalista, de maneira ou outra, vai servir a um desses
lados, mesmo que acredite que não, porque não existe “imparcialidade”
jornalística. O profissional da imprensa pode, sim, se abster de opiniões no
decorrer do seu texto, mas a maneira como a história é contada favorece
determinada perspectiva.
“Quando vocês abrem a torneira de manhã e sai água vocês não
ficam estupefatos? Vocês não pensam em como tudo isso foi construído, quantas
pessoas trabalharam para isso, o que elas passaram, de onde elas vieram?”,
provocou a jornalista. “As pautas brotam o tempo todo na nossa frente”, diz, mas é preciso sensibilidade para identifica-las.
“A gente aprende a olhar, olhando! Não é incrível?”, brincou. É assim que ela
enxerga a rede de energia elétrica, meios de transporte e tudo mais que foi
construído pelo ser humano.
Assim, Elaine defende que é necessário, para a produção
jornalística, o contato entre humanos. “Alguém acredita que é possível o
chamado jornalismo assistido, feito pelo computador? Não!”. Para ela, a
linguagem corporal é fundamental para que a informação seja apurada, de fato;
para que, em suas palavras, o jornalista possa contar “as histórias”,
enxergando mais do que um discurso oficial. Isso faz toda a diferença.
Quem observa a maneira explosiva da jornalista entende que
essa é a demonstração da sua paixão pelo humano e também de toda a indignação
pelas condições a que somos submetidos. E a força da fala vem acompanhada de
sincera doçura. “Quando você faz uma reportagem com esse sentimento, você cria
um laço amoroso com aquelas pessoas, que fica para sempre. Porque a gente se dá
conta de que estamos mexendo com uma vida, a gente tem responsabilidade sobre
ela, tem cuidado, porque a vida é como um cristal, se a gente quebrar, não cola
mais”.
Durante toda a oficina, Elaine nos brindou com suas
histórias, na busca desenfreada por outras histórias. Cada frase carregando
imensa riqueza cultural, política e social dos lugares por onde andou. Quem não a ouviu, perdeu muito.
Resta saber quem, dos presentes, teve sensibilidade para compreendê-la e, mais
do que isso, entender que uma boa reportagem só é possível se o humano atrás da
caneta conseguir tocar e ser tocado.
Por Luana Soutos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário