Te devo essa,'índio'
São seis horas da manhã. Acordo para escrever um artigo e depois estruturar uma palestra. Auge do cansaço físico depois de uma semana bem tumultuada, mas gosto da ideia de colocar algo no papel, pois acredito que ainda devo essa.
Quando me formei, o caminho normal para um indígena, seria procurar um trabalho na área ambientalista, 'ongueira', indigenista - pelo menos no ponto de vista de algumas pessoas. Porém me chamava a atenção desafiar o desafio de não estar vinculada em nenhuma dessas áreas temáticas, justamente para ver qual é a do índio fora da área do índio, embora eu já fosse uma 'índia bem moderninha' (parafraseando alguém). Queria ver também qual o tratamento a mim dispensado nesses locais. Nem tudo foram flores. Essa cara de índio não dá para disfarçar. Aprendi a ouvir e calar...
Perfazem já uns dez anos de trabalho e de historias para contar, e um pouco de decepção com a profissão. Decepção principalmente marcada pela observação de que o índio é um objeto alegórico e genérico nas mãos da mídia (vou generalizar meu pensamento para que nem eu fique de fora). A voz é dada e retirada, distorcida, apropriada de forma equivocada. Poucos tem a cautela de escrever uma notícia neutra, sem cair no estereótipo:
Ou ele é o bom selvagem, sofredor das mazelas da contemporaneidade, que anda (ou deveria andar) pelado, caçando e pescando (o que? e onde?) , ou ele é o entrave do desenvolvimento da nação brasileira, que vive as custas do Governo. Quando está na condição de dominar as tecnologias externas as que ele mesmo criou é dito aculturado, um bugre (por que?). Só são apresentados para a sociedade quando fazem um protesto que atrapalha a vida dos outros cidadãos, cometem algum crime ou no dia do índio (sim, quando, hoje?).
Durante o resto do ano, pouco se sabe sobre o que fazem. Estão perambulando pelos vales e matas do Brasil? mendigando, brincando de índio? dormindo na rede com preguiça o dia inteiro e esperando o sacolão do governo, bolsa família e cotas? Vejo como o sistema funciona e que ele não é amável. Privilegia o lado mais forte da corda. E não estou falando só de índio não.
Vejo o quanto a educação falhou e o quanto o índio virou um ser genérico para o povo brasileiro. Vejo também, o quanto o tempo indígena não se encaixa ao tempo capitalista. Já reuni nesse tempo uma vastidão de reportagens que comumente levo para as aulas e palestras. Apresento-as, explico-as, procuro a reflexão. Mas ainda acho que não é o suficiente, pois penso que a educação falhou. A mídia está falhando e eu estou tentando não falhar...
Naine Terena de Jesus
Mãe, indígena, comunicóloga, mestre em artes, doutoranda em educação.
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